Quem de nós, em nossas empresas, faz uma previsão de resultados para os próximos anos que não mostra um vigoroso crescimento? Quando discutimos e elaboramos planos estratégicos inevitavelmente nos deparamos com gráficos que mostram curvas de alta inclinação: maior lucro, maior faturamento, maior participação de mercado, etc.  

É da natureza humana (e de suas criações, como empresas) aspirar movimento, desenvolvimento, evolução. Aquilo que permanece estacionado, estagnado, na maior parte das vezes está associado com falta de vitalidade e saúde.

Porém o crescimento tem uma consequência, uma derivada, imediata e inevitável: a complexidade. Quando uma empresa aumenta  número de colaboradores, avança em um novo mercado, desenvolve um novo produto, decide se comprometer com aspectos de governança, recebe um novo acionista, está gerando um admirável aumento de complexidade da gestão.

Esta complexidade é função do número de produtos, segmentos, pessoas, relações comerciais, relações com a comunidade, quantidade e profundidade das relações com parceiros e fornecedores, diversidade de funções e equipes, e relação entre estas internamente, dentre muitos outros aspectos.

A grande questão é que a taxa de aceleração da complexidade é mais do que proporcional à taxa do crescimento. Para cada degrau que se sobe em crescimento, surgem dois ou três degraus de complexidade.

Quando propomos objetivos estratégicos de crescimento associamos iniciativas e projetos que supostamente os viabilizam. Os processos de planejamentos sempre consideram os efeitos benéficos destes impulsos, assim como os riscos relativos aos fatores de mercado. Porém nunca consideram o risco de complexidade.

Risco de complexidade é a capacidade de digestão que o organismo chamado empresa tem para executar todos os impulsos contidos nas iniciativas previstas no planejamento. É o 'throughput capacity’* de gestão da organização. *(termo emprestado da indústria: taxa de capacidade de produção de uma linha)

Como a capacidade de gestão é mais difícil de mensurar e compreender, normalmente a liderança sequer a considera. Supõe-se que marginalmente a empresa dará conta de tocar tudo o que se planeja, isto é, que a estrutura e design organizacional atuais são suficientemente aptos para conduzir as iniciativas planejadas em conjunto com todo o processo corrente. E este é o maior ponto cego da estratégia, só percebido mais tarde como “falta de capacidade de execução”, como se a execução fosse simplesmente uma questão de má atitude ou má organização.  A principal causa de má execução é justamente a falta de capacidade de digestão da complexidade.

Para lidar de forma eficaz com estas questões os pontos abaixo precisam ser endereçados.

  1. Experimentação 

A abordagem de comando e controle surge como primeira reação natural ao se enfrentar aumento da complexidade na gestão; entretanto a solução é o extremo oposto, ou seja, a experimentação de diferentes modos de gerir a organização de modo que se possa capturar melhores soluções que emergem da prática.

  1. Autonomia nas minas de carvão e nos balcões

A experimentação não ocorre em reuniões da diretoria (infelizmente). Os aprendizados de redesenho de práticas, funções e processos resultam de testes na realidade onde a empresa vive, seja nos "balcões" (experiências dos clientes) ou nas "minas de carvão” (onde os processos internos fluem), e por isso deve haver autonomia para quem habita esta geografia organizacional para buscar  novas formas e soluções, inclusive organizacionais.

  1. Agilidade estrutural e funcional

Tornar a estrutura alvo de experimentos e aprendizado significa desenvolver a competência de design organizacional por toda a empresa. A agilidade estrutural/funcional é um estágio superior à agilidade no âmbito de produtos/serviços e seus processos correlatos.

  1. Método de leitura da capacidade de digestão da complexidade

É importante elaborar um método prático, uma heurística própria, que alerte a liderança nos momentos em que a capacidade de digestão da complexidade está no limite. Serão métricas desenvolvidas e capturadas na prática específica do dia a dia de cada empresa. Exemplos ilustrativos são a avaliação de sobrecarga emocional das equipes, e a quantidade de iniciativas propostas no ciclo anterior que não foram executadas. 

  1. Capacidade de digestão como restrição (ou alavanca) estratégica

No mapeamento de mercado (concorrentes) e interno que usualmente precede um ciclo de planejamento será importante avaliar a capacidade de digestão da complexidade como restrição (gargalo) crítico no desenho dos objetivos de futuro. Naturalmente agilidade em produzir capacidade de lidar com a complexidade se torna uma expressiva alavanca estratégica, uma competência essencial.

  1. Testar hipótese do modelo mental de crescimento com os acionistas

Em princípio a demanda original por crescimento deve vir dos acionistas, ou do fórum que os representa, como por exemplo o Conselho de Administração. Assim é fundamental que ao longo das discussões de formulação estratégica seja questionado o modelo mental (por vezes inconsciente) de que crescimento é sempre necessário. O crescimento, ou seu ritmo,  deve ser uma opção estratégica coerente com o contexto dos acionistas, mercado, e, naturalmente, com a capacidade de digestão da complexidade.

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